Em decisão recente, a 16ª Vara do Trabalho de Brasília (VTB) reconheceu a existência de vínculo de emprego entre um prestador de serviços e uma entidade de classe que atua na representação de profissionais da área da saúde. A sentença considerou que, apesar de o autor da ação ter sido contratado como pessoa jurídica, foram verificados os requisitos que demonstraram a existência da relação formal de emprego, tais como pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação.
De acordo com o processo, o trabalhador foi contratado para exercer atividades administrativas em 2021, inicialmente com base no regime celetista. No ano de 2022 ele foi dispensado do vínculo formal de emprego e, no dia seguinte ao ato da demissão, foi recontratado na modalidade de pessoa jurídica. Essa situação teria permanecido até meados de 2023, quando o contrato entre as partes foi rompido unilateralmente por parte da tomadora de serviços. Insatisfeito com o desfecho da relação contratual, o prestador de serviços entrou com ação na Justiça do Trabalho (JT) alegando que mesmo após o encerramento do vínculo formal ele teria continuado exercendo as mesmas atividades administrativas para as quais teria sido contratado inicialmente.
Na ação, o prestador disse que não recebeu as verbas rescisórias previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e que teria sido incentivado pela empregadora a pedir demissão para que pudesse ter aumento salarial diante da migração para a modalidade de pessoa jurídica. Ele relatou que sempre atuou nas atividades internas da entidade, que tinha uma mesa fixa com computador disponibilizado pela empregadora, que usava crachá de identificação funcional e que, no período sem a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada, tinha que cumprir horário de trabalho sem fazer o registro da jornada. O autor da ação também pontuou que trabalhava além da jornada diária, que não conseguia usufruir totalmente do período previsto para os intervalos intrajornada, e que ainda tinha que se justificar à chefia imediata quando apresentava atestados médicos no serviço.
Dessa forma, pediu o reconhecimento do vínculo de emprego durante todo o tempo trabalhado, contabilizando o pagamento de horas extras decorrentes da sobrejornada, inclusive com reflexos incidentes nas demais verbas rescisórias. Em defesa, a entidade negou a existência da relação de emprego, apresentando documentos que demonstrariam que o autor da ação teria negociado livremente a possibilidade de contratação na modalidade jurídica. Disse ainda que não houve vício de consentimento no contrato de prestação de serviços, que não existiu subordinação entre as partes, e que não estariam presentes os requisitos da CLT para a caracterização do vínculo.
Entretanto, a própria empregadora teria admitido que o rompimento do contrato com a pessoa jurídica do prestador de serviços teria sido pelo fato de que o trabalho dele não estaria mais a contento, tanto em termos quantitativos quanto comportamentais. Além disso, representante da entidade de classe revelou, em juízo, que a reclamada tem cerca de 50 empregados celetistas em cargos de auxiliares e assistentes, e 50 prestadores de serviços em cargos de analistas, gerentes e diretores, indicando a prática da pejotização para fins de ascensão profissional. Ao analisar o caso, a juíza do Trabalho substituta Audrey Choucair Vaz considerou estarem presentes os requisitos que caracterizam a relação de emprego. Para a magistrada, a conduta da entidade é temerária e representa ofensa à Constituição Federal.
“Causa certa perplexidade ao juízo que em uma empresa com aproximadamente 100 prestadores de serviços, 50 tenham a CTPS assinada e 50 sejam pessoas jurídicas, sendo que as pessoas jurídicas são aquelas que têm cargos de analista, coordenador ou gerente. Ora, a prestação de serviços internos, habituais, pessoais, deve ser precipuamente realizada por trabalhadores empregados. A escolha pela contratação de uma pessoa jurídica pressupõe que os serviços não sejam pessoais e muito menos subordinados. A ré, com sua conduta, promove uma inversão do regime geral de trabalho previsto na legislação brasileira, o que prejudica o pacto social previsto na Constituição Federal, pelo qual é o regime de emprego o principal patrocinador da Previdência Social. Sem emprego, não há como manter uma Previdência Social, o que pode ser extremamente desestabilizador, em violação aos princípios constitucionais fundamentados na busca de uma sociedade não discriminatória e que promova o bem de todos”, ressaltou a juíza do Trabalho Audrey Choucair Vaz.
Ao dar razão aos argumentos e provas apresentadas pelo autor da ação, a magistrada concluiu que a assinatura da CTPS deve compreender todo o período da relação contratual, e que o pagamento de verbas rescisórias deve incluir o cômputo de horas extras, o cálculo proporcional dos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), bem como as multas incidentes no caso específico. A entidade de classe também deverá fazer o pagamento de custas processuais e de honorários sucumbenciais à defesa do trabalhador. Por fim, a juíza do Trabalho Audrey Choucair Vaz determinou a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho (MPT) para ciência e eventual atuação diante dos indícios de pejotização nos quadros funcionais da entidade ré. Ainda cabe recurso da sentença.
Processo nº 0000396-85.2024.5.10.0016
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região
https://www.sintese.com/noticia_integra_new.asp?id=526562