Licitação – Princípio do formalismo moderado

É irregular a inabilitação de licitante que, em vez de apresentar a certidão negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União, conforme exigência do edital, disponibiliza certidão positiva com efeitos de negativa, por violar o princípio do formalismo moderado, pois esta última certidão cumpre o objetivo de fazer prova da regularidade fiscal do licitante.

Representação formulada ao TCU apontou supostas irregularidades na Concorrência 15/2022, realizada pelo Sest/Senat (Serviço Social do Transporte e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), Unidade B049 (Aracaju/SE), com vistas à contratação de agência de publicidade e propaganda. Entre as irregularidades suscitadas pela empresa representante, mereceu destaque a sua inabilitação “em razão de certidão negativa para ateste de regularidade fiscal obtida junto à Receita Federal vencida”, para a qual alegou “ser vício sanável com realização de mera diligência, o que possibilitaria a emissão de nova certidão válida”. Em sua instrução inicial, a unidade técnica constatou que a certidão apresentada originalmente provavelmente estaria vencida em razão do longo período entre o recebimento da aludida documentação e a etapa de abertura dos envelopes, inicialmente marcada para 16/11/2022, mas que ocorrera somente em 18/5/2023, e ponderou que “a certidão emitida em 19/5/2023 e anexada ao recurso da licitante desclassificada seria medida apta a sanar o vício originário”. Assim sendo, com base na verossimilhança das alegações, o relator adotou medida cautelar, referendada pelo Acórdão 1755/2023-Plenário, no sentido de suspender o andamento da Concorrência inquinada até decisão de mérito da matéria, além de determinar a realização de oitiva das unidades jurisdicionadas. Em resposta, estas argumentaram, em síntese, que a inabilitação da empresa representante “seria razoável uma vez que, atuando com base em previsões editalícias: i) teriam oportunizado a regularização dos vícios na apresentação dos documentos por meio de duas diligências posteriores; ii) não teria sido possível atestar a autenticidade da certidão emitida antes da sessão de abertura dos envelopes; iii) a representante não teria comparecido à sessão de abertura de envelopes, nem atualizado a certidão de regularidade fiscal junto ao fisco federal; iv) a comissão permanente de licitações não teria inabilitado instantaneamente a representante, mas teria antes consultado o sítio da RFB em busca de certidão negativa válida e que a certidão disponibilizada pela representante não seria negativa, mas positiva com efeitos de negativa”. A unidade técnica considerou os argumentos insuficientes para afastar os fundamentos da medida cautelar, propondo então a sua confirmação e a expedição de determinação para “anulação do ato de desclassificação da empresa representante e dos atos subsequentes, bem como o retorno do certame à fase imediatamente anterior”. Mais especificamente, a unidade instrutiva ponderou que as diligências realizadas pelas unidades jurisdicionadas teriam focado “apenas no documento que informaria a existência de uma certidão válida até 28/9/2023”, ignorando por completo a nova certidão positiva com efeitos negativos de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União, entregue pela representante “no âmbito do recurso administrativo interposto contra sua inabilitação no dia seguinte à sua inabilitação”. Ela destacou ainda o rigor formal excessivo em razão da desconsideração da certidão positiva com efeitos negativos e reforçou a jurisprudência do TCU no sentido de que “documento novo que ateste a condição pré-existente não afronta o princípio da isonomia entre os licitantes, homenageia o princípio do formalismo moderado e permite a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração”. Em seu voto, anuindo à manifestação da unidade técnica, o relator pontuou que o certame licitatório não representa um fim em si mesmo, mas um meio para o atendimento das necessidades públicas, e deve o gestor, em respeito ao interesse público, “envidar esforços no sentido de lograr êxito na obtenção da proposta mais vantajosa e, no presente caso, fazê-lo amparado no princípio do formalismo moderado”. Nesse contexto, ressaltou o suporte da doutrina do Direito Administrativo e da própria jurisprudência do Tribunal, para as quais a admissão da juntada de documentos que apenas venham a atestar condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame não fere os princípios da isonomia e da igualdade entre os licitantes. Outrossim, reforçou, invocando o “mesmo princípio do formalismo moderado, ferramenta essencial na busca do interesse público”, não poder acolher o argumento de que o documento apresentado em grau de recurso seria irregular, uma vez que se tratara de certidão positiva com efeitos de negativa, “pelo que cumpre igualmente o objetivo de fazer prova da condição exigida”. Salientou, por fim, que não se poderia desprezar a diferença de valores das propostas envolvidas, isso porque “as duas primeiras colocadas, ambas desclassificadas, apresentaram coeficiente de preço de 0,004 e 0,008, respectivamente, ao passo que a terceira colocada, licitante declarada vencedora do certame, apresentou coeficiente de preço de 0,417”. Destarte, o relator propôs, e o Plenário decidiu, considerar procedente a representação, tornar definitiva a medida cautelar determinada pelo Acórdão 1755/2023-Plenário e fixar prazo para que o Sest/Senat (Unidade B049) “anule o ato que desclassificou a empresa representante no âmbito da Concorrência 15/2022, bem como os atos subsequentes, e proceda ao retorno da fase imediatamente anterior”. Acórdão 117/2024 Plenário, Representação, Relator Ministro Aroldo Cedraz.

Fonte: TCU – Tribunal de Contas da União.

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