O momento correto para apresentação da garantia de proposta nas licitações

Análise sob a perspectiva da Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021

1) Introdução
Como é de amplo conhecimento, a licitação é um procedimento por meio do qual a Administração Pública adquire bens, contrata serviços e obras, para atender ao interesse público.

Nesse universo de objetos licitados é possível, e provável, que determinada licitação refira-se a algum produto ou serviço que seja de tamanha relevância para a Administração Pública que ela necessite tomar medidas adicionais para garantir o sucesso do processo licitatório.
Uma dessas medidas é a garantia da proposta, prevista no art. 58 da atual Lei de
Licitações da Administração Direta, a Lei nº 14.133/2021.

Questão que surge com especial relevância para esse tema é: qual o momento da análise da conformidade da garantia da proposta, pelo Agente da Contratação?

2) Das particularidades da garantia da proposta
Como dito acima, a garantia da proposta está prevista no art. 58 da Lei nº 14.133/2021, que expressamente dispõe:

Art. 58. Poderá ser exigida, no momento da apresentação da proposta, a comprovação do recolhimento de quantia a título de garantia de proposta, como requisito de pré-habilitação.
§ 1º A garantia de proposta não poderá ser superior a 1% (um por cento) do valor estimado para a contratação.
§ 2º A garantia de proposta será devolvida aos licitantes no prazo de 10 (dez) dias
úteis, contado da assinatura do contrato ou da data em que for declarada fracassada a licitação.
§ 3º Implicará execução do valor integral da garantia de proposta a recusa em assinar o contrato ou a não apresentação dos documentos para a contratação.
§ 4º A garantia de proposta poderá ser prestada nas modalidades de que trata o § 1º do art. 96 desta Lei.

2.1) Das espécies de garantias legais
Antes de se aprofundar no tema, é necessário diferenciar as espécies de garantia afeta ao tema de licitações de contratos, quais sejam:

a) garantia da proposta: tema que será aprofundado a seguir;
b) garantia do contrato: disposta no Título III, Capítulo II, da Lei nº 14.133/2021, tem como objetivo resguardar a Administração em caso de eventuais descumprimentos no decorrer da execução do contrato, limitada a 5% (cinco por cento) do valor inicial do acordo, permitindo-se sua majoração para 10% (dez por cento), desde que haja justificativa baseada na complexidade técnica e dos riscos envolvidos. Em caso de obras e serviços
de engenharia de grande vulto, o percentual pode ser equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato.
c) garantia do objeto: previsto no Código de Defesa do Consumidor1 e Código Civil, e Código Civil,2 consiste na garantia do produto ou serviço, situação na qual existindo vício no produto entregue ou serviço prestado, cabe o contratado corrigi-lo a suas expensas.

2.2) Do conceito e finalidade da garantia da proposta
A garantia da proposta se diferencia das demais garantias indicadas pois é a única que visa garantir o processo licitatório.

Como previsto na Lei,3 a garantia da proposta é exigida como condição de “pré-habilitação” e é devolvida com a assinatura do contrato.

Nesse contexto, apenas será executada caso o licitante participe da licitação e “desista” de assinar o contrato, diretamente, através da recusa, ou indiretamente, através da não apresentação dos documentos necessários.

Vale destacar que a ausência de apresentação de documentos durante a fase de habilitação, também podem ensejar a execução da garantia.

Considerando o seu regramento, é possível concluir que o objetivo da garantia da proposta é evidenciar a seriedade da oferta apresentada pelo licitante e assegurar a Administração de eventuais prejuízos, caso a assinatura do contrato não ocorra por parte do concorrente vencedor.4

Tendo em vista que a garantia da proposta traz ônus aos licitantes previamente à celebração do contrato e, portanto, restringe à participação na licitação, o Tribunal de Contas da União, no âmbito da Lei nº 8.666/1993, tinha sólida jurisprudência sobre a necessidade de robusta justificativa para sua exigência no edital.

A legislação anterior que tratava especificamente da modalidade pregão, a revogada Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, vedava a possibilidade de exigência de garantia de proposta em certames realizados por meio de tal modalidade.5 A Lei nº 14.133/2021 não traz a mesma vedação, o que torna possível a exigência de garantia de propostas também no pregão.

Ocorre que a Lei 14.133/2021 acabou por aproximar o procedimento do pregão ao das demais modalidades licitatórias, na medida em que tornou a inversão de fases – prevista anteriormente somente ao pregão, a todas as modalidades de licitação.

Essa alteração impacta diretamente no momento adequado para o recebimento
e análise das garantias de propostas dos licitantes.

2.3) Das fases do processo licitatório

Os certames embasados na norma anterior de licitações e contratos, a revogada Lei nº 8.666/1993, seguiam os seguintes procedimentos, conforme art. 43 da mencionada legislação:

a) entrega da documentação relativa à habilitação dos concorrentes, e sua apreciação;
b) abertura de prazo de recurso contra inabilitações ou habilitações;
c) análise dos eventuais recursos;
d) entrega dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados;
e) julgamento e classificação das propostas de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital;
f) abertura de prazo de recurso contra o resultado da análise das propostas; e
g) deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação.

O Decreto Federal nº 10.024, de 20 de setembro de 2019, ao regulamentar, para a União, a modalidade Pregão prevista na Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, especificadamente na forma eletrônica, disciplinou que os licitantes deveriam enviar os documentos relacionados à proposta e habilitação no momento do cadastramento da proposta no sistema, antes da sessão pública:

Art. 26. Após a divulgação do edital no sítio eletrônico, os licitantes encaminharão, exclusivamente por meio do sistema, concomitantemente com os documentos de habilitação exigidos no edital, proposta com a descrição do objeto ofertado e o preço, até a data e o horário estabelecidos para abertura da sessão pública.

Isto é, para o pregão havia a chamada “inversão das fases” do procedimento.

Os normativos mencionados acima foram revogados pela Lei nº 14.133/2021, em 30/12/2023.

A Nova Lei de Licitações, por sua vez, em seu art. 17, definiu como regra as seguintes fases do processo licitatório, em sequência:

a) preparatória;
b) de divulgação do edital de licitação;
c) de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;
d) de julgamento;
e) de habilitação;
f) recursal; e
g) de homologação.

A Lei ainda prevê que a fase de habilitação (alínea “e”) poderá anteceder a de apresentação de propostas (alínea “c”), mediante motivação.

Isto é: a regra agora é a apresentação das propostas e, somente, após o julgamento, a análise da habilitação.

Na esfera federal, a Instrução Normativa SEGES/ME nº 73, 30 de setembro de 2022, ao dispor sobre as licitações eletrônicas de bens, serviços e obras, com critério de julgamento por menor preço ou maior desconto, define que o momento de envio de documentos relacionados à proposta e habilitação será após a disputa (julgamento).

No momento do cadastramento da proposta no sistema, o licitante não anexa documentos, apenas preenche informações relacionadas ao objeto ofertado e ao preço.

Veja-se:

Art. 18. Após a divulgação do edital de licitação, os licitantes encaminharão, exclusivamente por meio do sistema, a proposta com o preço ou o percentual de desconto, até a data e o horário estabelecidos para abertura da sessão pública.
§ 1º Na hipótese de a fase de habilitação anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do art. 8º, os licitantes encaminharão, na forma e no prazo estabelecidos no caput, simultaneamente os documentos de habilitação e a proposta com o preço ou o percentual de desconto, observado o disposto no § 1º do art. 36 e no § 1º do art.
39.
[…]
Art. 29. Encerrada a etapa de envio de lances da sessão pública, o agente de contratação ou a comissão de contratação, quando o substituir, realizará a verificação da conformidade da proposta classificada em primeiro lugar quanto à adequação ao objeto estipulado e, observado o disposto nos arts. 33 e 34, à compatibilidade do preço ou maior desconto final em relação ao estimado para a contratação, conforme definido no edital.
§ 1º Desde que previsto no edital, o órgão ou entidade promotora da licitação poderá, em relação ao licitante provisoriamente vencedor, realizar análise e avaliação da conformidade da proposta, mediante homologação de amostras, exame de conformidade e prova de conceito, entre outros testes de interesse da Administração, de modo a comprovar sua aderência às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico.
§ 2º O edital de licitação deverá estabelecer prazo de, no mínimo, duas horas,
prorrogável por igual período, contado da solicitação do agente de contratação ou da
comissão de contratação, quando o substituir, no sistema, para envio da proposta e,
se necessário, dos documentos complementares, adequada ao último lance ofertado.
[…]
Art. 39. A habilitação será verificada por meio do Sicaf, nos documentos por ele abrangidos, quando os procedimentos licitatórios forem realizados por órgãos ou entidades a que se refere o art. 1° ou por aqueles que aderirem ao Sicaf.
§ 1º Os documentos exigidos para habilitação que não estejam contemplados no Sicaf serão enviados por meio do sistema, quando solicitado pelo agente de contratação, ou comissão de contratação quando o substituir, até a conclusão da fase de habilitação.
§ 2º Será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas do licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do art. 8º, observado, nesta hipótese, o disposto no § 2º do art. 64 da Lei nº 14.133, de 2021

Desta feita, surge a seguinte questão: Se na apresentação da proposta não é possível juntar documentos e a análise dos documentos para fins de habilitação é realizada apenas do licitante vencedor, como dar cumprimento à garantia da proposta como requisito de pré-qualificação?

3) Da análise comparativa dos textos legais acerca do momento adequado para a apresentação da garantia de proposta
A antiga norma geral de licitações e contratos, Lei nº 8.666/1993, ao tratar sobre os documentos de habilitação dos licitantes, especificadamente sobre a qualificação econômico-financeira, permitia a exigência de garantia de proposta:

Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a: I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;
II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede
da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;
III – garantia, nas mesmas modalidades e critérios previstos no “caput” e § 1o do art.
56 desta Lei, limitada a 1% (um por cento) do valor estimado do objeto da contratação.

O Tribunal de Contas da União – TCU, em entendimento firmado analisando certame embasado na Lei nº 8.666/1993, posicionou-se pela inviabilidade de cobrança de garantia de proposta antes da fase de habilitação, para não permitir o conhecimento antecipado das empresas que efetivamente participariam do certame:

Licitação. Qualificação econômico-financeira. Garantia da proposta. Momento. É irregular a exigência de prestação de garantia da proposta antes da data de apresentação dos documentos de habilitação, pois não encontra amparo na Lei 8.666/1993 e permite o conhecimento antecipado das empresas que efetivamente participarão do certame, o que pode comprometer o caráter competitivo da licitação.6

Com base no exposto, verifica-se que a antiga norma definia o momento da habilitação para a apresentação da garantia de proposta: deveria ocorrer sempre na fase de habilitação.

Nesse aspecto, vale destacar que naquela norma, a habilitação sempre antecedia a fase de apresentação de propostas.

Apenas com o surgimento da modalidade Pregão (Lei nº 10.520/2002) que a inversão de fases foi disciplinada, tornando a fase de habilitação posterior ao momento de apresentação de proposta. Nesta modalidade, todavia, fora vedada a previsão da garantia da proposta.

De forma distinta da Lei nº 8.666/1993, constata-se que a Lei nº 14.133/2021 define que o licitante deverá apresentar a garantia da proposta, caso exigido no edital, em momento anterior a fase de habilitação, quando da apresentação da proposta:

Art. 58. Poderá ser exigida, no momento da apresentação da proposta, a comprovação do recolhimento de quantia a título de garantia de proposta, como requisito de pré-habilitação.
§ 1º A garantia de proposta não poderá ser superior a 1% (um por cento) do valor estimado para a contratação.

Ocorre que, se a regra é apresentar no momento da apresentação da proposta e isso permite o conhecimento antecipado das empresas, surge a celeuma, que consiste em ponto polêmico, possuindo divergências doutrinárias, como se verá a seguir.

3.1) Da vertente doutrinária que privilegia a garantia do sigilo da proposta
Parte da doutrina entende que a garantia da proposta deve ser exigida apenas após a fase de disputa aberta, quando houver, a apresentação da proposta atualizada ao lance final.

Ou seja, após a etapa de lances, quando o agente de contatação convocar o licitante melhor classificado para a apresentação de proposta readequada ao último valor ofertado na disputa, exigiria a garantia de proposta.

Frisa-se que atualmente, nas plataformas eletrônicas, os concorrentes não são identificados no decorrer da etapa de lances, apenas ao término da disputa.

Essa linha doutrinária defende que a apresentação da garantia da proposta antes da fase aberta de disputa ocasionaria indevida violação do sigilo das propostas dos concorrentes.

A revogada Lei nº 8.666/1993 dispunha sobre o não sigilo das licitações, exceto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.7

O revogado Decreto nº 10.024/2019, ao regular o pregão eletrônico, disciplinava que no decorrer da etapa de lances da sessão pública os licitantes não poderiam ser identificados.8

A Lei nº 14.133/2021, no mesmo sentido da revogada Lei nº 8.666/1993 e do entendimento do TCU, disciplinou que as licitações não serão sigilosas, exceto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura:

Art. 13. Os atos praticados no processo licitatório são públicos, ressalvadas as hipóteses de informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, na forma da lei.
Parágrafo único. A publicidade será diferida:
I – quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura;

A IN nº 73/2022 reforça o entendimento de que durante a sessão pública é vedada a identificação do licitante:

Art. 21. Iniciada a fase competitiva, observado o modo de disputa adotado no edital, nos termos do disposto no art. 22, os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.
[…]
§ 6º Durante a sessão pública, os licitantes serão informados, em tempo real, do valor do melhor lance registrado, vedada a identificação do licitante.

Por fim, importante evidenciar que o Código Penal considera crime a violação do sigilo da proposta em licitações:

Violação de sigilo em licitação

Art. 337-J. Devassar o sigilo de proposta apresentada em processo licitatório ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: Pena – detenção, de 2 (dois) anos a 3 (três) anos, e multa.

Nesse sentido, em tal visão doutrinária se mostra indevida a exigência editalícia, por parte do órgão ou entidade, de apresentação de garantia de proposta antes do início da sessão pública, tendo em vista a consequente identificação dos licitantes de forma precária, entendendo violado o sigilo da proposta, a impessoalidade do certame e estimulando um ambiente propicio a formação de conluios.9

3.2) Da vertente doutrinária que privilegia a eficácia dos processos licitatórios

A outra corrente doutrinária, entretanto, defende que o momento de apresentação da garantia da proposta seria no momento de cadastramento da proposta, anterior as fases de disputa.

Esse entendimento decorre dos fundamentos indicados a seguir:

3.2.1) Da eficácia da garantia da proposta

A garantia da proposta é uma medida excepcional, que exige do órgão contratante que demonstre porque as sanções legais não são aptas a resguardar o interesse público a ser atendido com a futura contratação, ou seja, visa resguardar a eficácia da licitação.

Considerando que, como tratado anteriormente, a exigência da garantia da proposta tem como objetivo garantir que os licitantes que participam do processo licitatório estejam comprometidos com a futura contratação, em uma análise perfunctória dos processos licitatórios, o que se identifica como motivador mais usual para essa decisão é a apresentação de preços inexequíveis, ou excessivamente baixos, durante a fase da licitação.

Desse modo, para essa corrente doutrinária, torna-se absolutamente ineficaz a apresentação de garantia da proposta após a fase de disputa, visto que para o licitante
“desistir” do certame, bastaria deixar de apresentar a garantia da proposta e seria excluído do processo. Tornando, na visão desta corrente, ineficaz a garantia em questão.

3.2.2) Do sigilo da proposta

Necessário destacar, também, que este entendimento doutrinário também concilia a observância ao sigilo da proposta.
Explica-se.

A Lei nº 14.133/2021, no mesmo sentido da revogada Lei nº 8.666/1993 e do entendimento do TCU, disciplinou que as licitações não serão sigilosas, exceto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura:

Art. 13. Os atos praticados no processo licitatório são públicos, ressalvadas as
hipóteses de informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e
do Estado, na forma da lei.
Parágrafo único. A publicidade será diferida:
I – quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura;

Seria absolutamente compatível entender que as propostas são “abertas” antes da fase de disputa, visto que este é momento de divulgação dos preços iniciais oferecidos por cada concorrente, ainda que nos modos de disputa aberto, aberto e fechado e fechado e aberto não seja possível a identificação dos licitantes.

Analisando a IN nº 73/2022, esta expressamente veda a identificação do licitante, durante a fase de disputa:

Art. 21. Iniciada a fase competitiva, observado o modo de disputa adotado no edital, nos termos do disposto no art. 22, os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.
[…]
§ 6º Durante a sessão pública, os licitantes serão informados, em tempo real, do valor do melhor lance registrado, vedada a identificação do licitante.

Mesmo considerando a IN em questão, não se vê óbice ao entendimento doutrinário. Isso porque, bastaria que o sistema eletrônico de licitação, após a análise da garantia da proposta, anonimizasse e embaralhasse os licitantes, de forma a não ser possível identificar o autor do lance.

Explica-se: os licitantes registram suas propostas iniciais no prazo fixado no edital para poderem participar da disputa. Assim, bastaria que o sistema fornecesse campo para anexar a garantia das propostas dos licitantes. No momento da abertura da sessão pública, a Administração teria acesso aos documentos inseridos pelos licitantes, desclassificando aqueles que não apresentassem a garantia de proposta de acordo com as condições exigidas. Em seguida, antes de iniciar a etapa de lances, o sistema anonimizaria os participantes para que no momento de disputa não fosse possível identificar a autoria dos lances.

Desse modo, apesar de se identificar quem são os licitantes presentes, não seria identificado o autor do lance ofertado, até o fim da fase de lances.

3.2.3) Da ponderação entre princípios
Não se pode negar, todavia, que este entendimento doutrinário mitiga um dos principais benefícios trazidos pelas licitações eletrônicas, qual seja, a não identificação prévia dos licitantes.10

Necessário destacar, entretanto, que essa corrente doutrinária traz a maior eficácia à garantia da proposta.

Do ponto de vista principiológico, não se verifica óbices.

Primeiro, pois, o art. 5º da Lei nº 14.133/2021 não traz qualquer princípio relativo ao sigilo das propostas ou dos licitantes.

Por outro lado, a corrente doutrinária em questão estaria alinhada aos seguintes princípios:

a) Legalidade: o art. 58 da Lei indica o momento para apresentação desta garantia como o momento da apresentação da proposta;
b) Eficiência: a exigência da garantia previamente à fase de lances, contribuí para o resultado útil do processo licitatório, qual seja: a celebração do contrato; e
c) Impessoalidade: a exigência da garantia prévia à fase de lances, se aplicaria
a todos os licitantes, não se exigindo apenas do melhor qualificado, quando a fase de julgamento da proposta anteceder à fase de habilitação.

Como é possível constatar, não se verifica óbice principiológico para a aplicação do entendimento da exigência da garantia previamente à fase de disputa na licitação.

4) Da garantia da proposta na inversão de fases
Merece ser pontuado que, caso o ente comprador opte pela inversão de fases, primeiro a fase de habilitação e posteriormente a análise de propostas, na forma do § 1º do art. 17 da Lei nº 14.133/2021, a polêmica se esvai: exige-se a apresentação da garantia como condição para a análise da documentação de habilitação dos licitantes.

5) Das conclusões
Pelo exposto, é possível concluir que:

a) poderá ser exigida, desde que justificado no processo, a garantia de proposta de até 1% (um por cento) do valor estimado para o certame, objetivando evidenciar a seriedade da oferta apresentada pelo licitante e assegurar a Administração de eventuais prejuízos, caso a assinatura do contrato não ocorra por parte do concorrente vencedor;
b) já quanto ao momento de apresentação da garantia de proposta, a doutrina diverge sobre o tema, existindo entendimento de que:
b.1) a garantia da proposta deve ser apresentada no momento do cadastramento da proposta inicial no sistema, devendo ser analisada pelo agente da contratação ou pregoeiro antes do início da fase de disputa; e
b.2) outro entendimento de que a apresentação de garantia de proposta deve ser analisada apenas após a fase de lances, quando da apresentação da proposta ajustada.

De qualquer modo, independentemente do entendimento adotado pelo órgão ou entidade, deve o instrumento convocatório do certame disciplinar qual o procedimento para a apresentação e a análise da garantia de proposta, devendo os portais de licitações se adequarem, sejam eles públicos ou privados, permitindo-se que a mencionada documentação seja apresentada pelos licitantes no sistema eletrônico, tanto no momento do cadastramento inicial de propostas quanto posteriormente à disputa, até que haja uma pacificação acerca do tema.

Notas

Prevista nos art. 18 a 25 da Lei nº 8.078/1990. ↩︎
Prevista nos arts. 446 e 618 da Lei nº 10.406/2022. ↩︎
Lei nº 14.133/2021. Art. 58 e §§. ↩︎
Lei nº 14.133/2021: […] Art. 58. Poderá ser exigida, no momento da apresentação da proposta, a comprovação do recolhimento de quantia a título de garantia de proposta, como requisito de pré-habilitação. § 1º A garantia de proposta não poderá ser superior a 1% (um por cento) do valor estimado para a contratação. […] § 3º Implicará execução do valor integral da garantia de proposta a recusa em assinar o contrato ou a não apresentação dos documentos para a contratação. […]. Art. 90. A Administração convocará regularmente o licitante vencedor para assinar o termo de contrato ou para
aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e nas condições estabelecidas no edital de licitação, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei. […] § 5º A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato ou em aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo estabelecido pela Administração caracterizará o descumprimento total da obrigação assumida e o sujeitará às penalidades legalmente estabelecidas e à imediata perda da garantia de proposta em favor do órgão ou entidade licitante. ↩︎
Lei nº 10.520/2002: […] Art. 5º É vedada a exigência de: I – garantia de proposta; ↩︎
TCU – Acórdão nº 2552/2017 Plenário ↩︎
Lei nº 8.666/1993: […] Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será
processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. […] § 3o A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura. ↩︎
Decreto nº 10.024/2019: […] Art. 30. Classificadas as propostas, o pregoeiro dará início à fase competitiva, oportunidade em
que os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico. […]§ 5º Durante a sessão pública, os licitantes serão informados, em tempo real, do valor do menor lance registrado, vedada a identificação do licitante. ↩︎
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU / Tribunal de
Contas da União. 5ª Edição, Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência, 2023. […] Exigência de que os licitantes
forneçam a garantia de participação antes da apresentação das propostas, levando ao conhecimento antecipado, pela
Administração, da identidade dos concorrentes, com consequente ilegalidade por redução indevida do prazo legal
conferido aos licitantes para apresentarem as garantias, violação do sigilo e da impessoalidade do certame e criação de
ambiente propicio a formação de conluios. ↩︎
Ressalta-se que aqui não se pontua a eventual restrição ao princípio da competitividade, visto que consiste em consequência
natural à exigência de garantia da proposta, seja em quaisquer dos entendimentos trazidos. ↩︎
Murilo Q. M. Jacoby Fernandes
Autor ONLL

Coautor: Augusto Nogueira
Advogado e Consultor Jurídico. Formado em Direito pelo Centro Universitário de
Brasília (Uniceub). Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Unyleya
e Pós-Graduado em Atividade Processual pela Faculdade Fortium. Possui experiência
em licitações e contratos administrativos, advogando, realizando consultoria e
ministrando cursos para a Administração Pública e licitantes, além de ser autor de
artigos sobre o tema.
Fonte: https://www.novaleilicitacao.com.br/2024/04/30/o-momento-correto-para-apresentacao-da-garantia-de-proposta-nas-licitacoes/

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